A transição para uma economia circular representa uma mudança sistémica que cria resiliência de longo prazo, promove a biodiversidade, gera oportunidades de negócios e fornece benefícios ambientais e sociais.
Em síntese, “a economia circular é uma manifestação de modelos económicos em que se destacam oportunidades de negócio onde os ciclos dominam (e não os processos lineares). É restauradora e regenerativa por design e visa manter produtos, componentes e materiais em sua maior utilidade e valor em todos os momentos” (https://sustainabilityguide.eu/sustainability/circular-economy/)
Não se trata de mais uma buzz word. É um movimento de mudança importante para as pessoas, relaciona-se com questões concretas que afetam diretamente a sua qualidade de vida atual e das gerações futuras, nomeadamente: – os efeitos indesejados dos gases de estufa sobre o aquecimento global, a biodiversidade, a gestão dos recursos hídricos, o acesso e o preço dos recursos energéticos e das matérias-primas, a qualidade dos alimentos e a segurança alimentar, a saúde das populações, etc.
O desafio é alterar profundamente o padrão de competitividade da economia passando de uma lógica de utilização intensiva de recursos consumidos, ultrapassando os limites da capacidade do planeta sustentar a vida humana de forma equilibrada e respeitando a natureza e a sua biodiversidade, para um “modelo de crescimento regenerativo que restitua ao planeta mais do que lhe retira”.
Claro! A economia circular é um dos principais instrumentos para a alcançar o ODS 12 – “Garantir padrões de consumo e produção sustentáveis” – e contribui para o ODS 14 – “Conservar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável” – o ODS 15 – “Proteger a vida terrestre “[1] – assim como para o ODS 13 – “Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos”.
[1] A redação oficial do ODS 15 é a seguinte: “Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerenciar florestas de forma sustentável, combater a desertificação e interromper e reverter a degradação da terra e interromper a perda de biodiversidade”.
Circular porque se inspira nas dinâmicas dos ecossistemas naturais saudáveis, parte do princípio de que o desperdício de uns elos da cadeia é o alimento de outros (lembra-se que na natureza “nada se perde, tudo se transforma”?) e, por isso, em equilíbrio tudo se regenera.
O termo design regenerativo [1] está associado à ideia de que todos os sistemas poderiam ser orquestrados (ou seja, concebidos, organizados e geridos) de forma regenerativa, ou seja, que os próprios processos adotados promovem a renovação ou regeneração das fontes de energia e materiais que consomem.
[1] Abordagem desenvolvida em 1976 por John T. Lyle que desafiou os seus alunos a imaginar uma comunidade em que as atividades diárias fossem baseadas em valores de respeito pelos limites dos recursos renováveis disponíveis, sem degradação ambiental (https://www.cpp.edu/env/lyle/about/history.shtml).
McDonough e Braungart, no princípio dos anos 90 do século passado, definiram o conceito de “cradle to cradle” (literalmente do “berço ao berço” [1]) e um processo de certificação em que os produtos são concebidos a pensar no seu ciclo biológico e no seu ciclo técnico.
Ciclo biológico — O ciclo pelo qual os materiais ou as partes componentes são libertados e idealmente reprocessados no meio ambiente por meio de compostagem, biodegradação, extração de nutrientes ou outras vias metabólicas biológicas.
Ciclo técnico — O ciclo pelo qual os materiais ou peças de um produto são reprocessados por um novo ciclo de uso do produto, por meio de reciclagem, reparação, recondicionamento, remanufactura ou reutilização”(https://www.c2ccertified.org/).
Diagrama da Economia Circular – “Butterfly diagram” da Fundação Ellen MacArthur
[1] Por oposição ao “from cradle to the grave” – do berço até ao túmulo – típico da economia linear em que os produtos se iniciam com a extração de matérias-primas, são processados, distribuídos, usados e terminam num aterro como resíduo não valorizado.
Os ciclos (loops) são a forma como se concretiza a extensão do ciclo de vida dos produtos. As configurações dos ciclos circulares são dependentes do negócio e das suas variáveis-chave. Diferem, por isso, do produto, das matérias-primas e das suas componentes, dos segmentos de negócio, da localização do negócio, da cadeia de abastecimento e da sua cadeia de valor.
As entidades envolvidas, na generalidade dos casos, transcendem uma só empresa, englobando um conjunto alargado de intervenientes ao longo da cadeia de valor (fornecedores e parceiros – outras empresas ou instituições públicas ou privadas – envolvidos na gestão de atividades e processo associados a um ou mais ciclos de criação de valor circular).
Cadeia de abastecimento – “todas as atividades e processos a montante da cadeia de valor [1] do produto, até ao ponto em que o produto chega ao utilizador final”.
Cadeia de valor – “todas as atividades e processos que fazem parte do ciclo de vida de um produto, bem como a sua possível remanufatura”.
[1] Definições de acordo com o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (COM 30.3.2022).
Ciclo de vida – “fases consecutivas e interligadas da vida de um produto, que consistem na aquisição das matérias-primas ou na produção a partir de recursos naturais, na transformação prévia, no fabrico, no armazenamento, na distribuição, na instalação, na utilização, na manutenção, na reparação, no melhoramento, no recondicionamento e reutilização e no fim de vida [1]”.
Fim de vida – “a etapa do ciclo de vida que tem início quando um produto é rejeitado e termina quando o produto é devolvido à natureza sob a forma de resíduo ou entra no ciclo de vida de outro produto”.
[1] Definições de acordo com o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (COM 30.3.2022).
A avaliação do ciclo de vida (LCA – Life cycle Assessment) é um processo de avaliação dos efeitos que um produto tem no meio ambiente durante todo o período de sua vida [1].
Este processo pode ser usado para estudar o impacto ambiental de um produto ou da função que o produto foi projetado para desempenhar.
A avaliação do ciclo de vida é comumente referida como uma análise “do berço ao túmulo”.
[1] Understanding Product Environmental Footprint and Organisation Environmental Footprint methods (2021)(https://ec.europa.eu/environment/eussd/smgp/pdf/EF%20simple%20guide_v7_clen.pdf).
Os principais elementos da avaliação do ciclo de vida são os seguintes:
Como se disse anteriormente, cada caso tem que ser analisado individualmente, com o objetivo de otimizar o valor criado em função das especificidades de cada negócio.
Contudo, a Fundação Ellen MacArthur identifica quatro fontes de criação de valor na economia circular [1], que se apresentam de seguida:
“The power of the inner circle – o poder do ciclo interior” – envolve minimizar os materiais e recursos necessários para reutilização, reparação, reformulação ou remanufactura.
“The power of circling longer” – o poder de ciclos mais longos” – procura maneiras de prolongar a vida de produtos através da inovação e tecnologia, minimizando os recursos necessário para a criação do produto completo ou das componentes. Este propósito pode ser atingido através da utilização de ciclos mais longos ou pela utilização de mais ciclos consecutivos.
“The power of cascade use” – o poder do uso em cascata” – procura otimizar o uso do produto desde a entrega do seu uso primário, uso secundário, uso terciário etc.
“The power of pure circles” – o poder de ciclos puros” – dentro deste conceito de criação de valor os produtos e componentes são criados a partir de matérias-primas puras. Quando eles são redistribuídos, a qualidade é mantida, prolongando a longevidade do produto. Por exemplo, evitando produtos tóxicos ou apostado na qualidade das matérias-primas podem obter-se ganhos na separação de componentes, redução dos custos de manuseamento ou de armazenamento de materiais perigosos. Economias de escala e ganhos de eficiência podem ser obtidos nos ciclos reversos. Os materiais e os seus componentes podem ser reaproveitados na conceção original de novos produtos.
1 Eller MacArthur Foundation: “Towards the Circular Economy” – Vol. 1(2013), p.30 e p.31
Existe um conjunto alargado de novos fatores que influenciam o ambiente competitivo das empresas e que constituem tendências de fundo inescapáveis, na geoestratégia (rivalidades entre blocos económicos que afetam o comércio internacional com preponderância para o acesso às fontes de abastecimento de energia e matérias-primas), os desafios climáticos e os novos enquadramentos regulamentares da União Europeia, a evolução tecnológica, as alterações sociais e laborais decorrentes da crise pandémica Covid-19, os desafios demográficos, etc.
A economia circular oferece um “mundo” de novas oportunidades relacionadas com alterações de paradigmas a nível económico, ambiental e social.
Em resposta a esta conjunto complexo e desafiante de novas tendências, ao nível empresarial para os negócios que se estruturem na abordagem da economia circular perspetivam-se, por exemplo, novas oportunidades de poupança de custos com matérias-primas e componentes, melhoria da segurança de riscos de abastecimento, geração de novas sinergias e melhoria de formas de relacionamento ao longo da cadeia de valor, diminuição de externalidades negativas, novas formas de relacionamento e fidelização com utilizadores e consumidores, novas fontes de receita, algumas delas associadas à gestão do final do ciclo de vida dos produtos, etc. No fundo, oportunidades de aparecimento de novos modelos de negócio.
De acordo com a Comissão Europeia “a circularidade constitui um aspeto essencial da transformação da indústria em direção à neutralidade climática e à competitividade a longo prazo, podendo gerar reduções substanciais de custos ao longo das cadeias de valor e dos processos produtivos, criar valor acrescentado e abrir oportunidades económicas”[1], nomeadamente através da:
[1] COM(2020) 98 final, Plano de Ação para a Economia Circular Para uma Europa mais limpa e competitiva, p.6
[2] COM(2020) 98 final, Plano de Ação para a Economia Circular Para uma Europa mais limpa e competitiva, p.2
De acordo com Alexander Osterwalder e Ives Pigneur (2010, Business Model Generation) um modelo de negócio define a “forma como uma organização cria, distribui e captura valor” (https://www.strategyzer.com/canvas/business-model-canvas ).
Sim, o desenvolvimento de um modelo de negócios na economia circular envolve geralmente as seguintes preocupações:
[1] Ver acima as tipologias de ciclo na economia circular. No uso em cascata procura-se um modelo de negócio em que os produtos são utilizados em vários ciclos (primário, secundário, terciário, etc.).
Tal como na escala musical a capacidade de gerar valor é praticamente ilimitada e, por isso, são incontáveis os tipos de modelo de negócio que se podem gerar. A economia circular vem ainda expandir as oportunidades de criação de novos modelos.
Contudo, para ajudar a sistematizar podemos percorrer as quatro categorias de modelo de negócio do “Value Hill Business Model Tool”:
Modelos de design circular – correspondem a modelos de negócio que operam na fase de design ou que ocorrem previamente ao desenvolvimento e produção de um produto.
Estas atividades procuram focar-se no prolongamento da fase de utilização (por exemplo, prolongando a vida dos produtos) ou contemplando o aumento do ciclo de vida dos produtos (por exemplo, através da modularidade). Apostam na menor intensidade de recursos ou na reutilização de produtos existentes, das suas componentes ou materiais, este são recuperados a partir de utilizações anteriores.
Modelos circulares de uso ótimo – têm como objetivo otimizar o uso do produto prestando serviços (por exemplo de manutenção) ou complementos para ampliar a sua vida útil ou providenciar caminhos para usar produtos mais intensamente ou eficientemente.
Fig. 1 – “Value Hill Businees Model Tool” – Categorias de Modelos de Negócio
Fonte: Elisa Achterberg, Jeroen Hinfelaar, Nancy Bocken, “The Value Hill Business Model Tool: identifying gaps and opportunities in a circular network” (2016), p.7
Modelos circulares de recuperação de valor – estes modelos de negócio geram receitas através da valorização de produtos usados. Ocorrem na fase posterior à utilização do produto e têm como objetivo a maximização de valor através da recuperação e reciclagem de produtos e materiais (desperdícios ou resíduos que são usados em novos produtos).
O desenvolvimento da logística reversa, ou seja, o retorno do ponto de consumo ao ponto de produção, é essencial para este modelo.
Para alguns materiais a reciclagem envolve uma perda de qualidade e para os produtos também perda de design e caraterísticas técnicas e energéticas.
Na reciclagem existe downcycling quando resulta em menor qualidade e funcionalidade reduzida, e upcycling quando envolve a transformação de subprodutos e resíduos em novos materiais ou produtos de maior qualidade ou melhor valor ambiental.
De acordo com o modelo “Value Hill” os modelos de negócio anteriores não garantem, por si só, a existência de um modelo de negócio da economia circular, sendo necessário “a existência de atividades de coordenação, fluxos de informação, fluxos de recursos, fluxos de energia e serviços” , pelo que existe uma quarta categoria de modelos:
Modelos de suporte circular – focam na gestão e coordenação de redes circulares de valor, requerendo a coordenação e gestão de fluxos de recursos, otimização de incentivos e de outras atividades de apoio (nomeadamente de base tecnológica) a uma rede circular.
As quatro categorias de modelos não são mutuamente exclusivas podendo os gestores combiná-los da forma que melhor salvaguarde a capacidade de gerar valor para a organização e para todos os intervenientes no seu “ecossistema”.
Tudo começa mudando a perspetiva como os negócios são estruturados, valorizam-se as oportunidades decorrentes de uma abordagem holística baseada na Economia Circular e na adoção de novos modelos de negócio de sustentabilidade ambiental, apostando no eco design (conceção ecológica).
A Comissão Europeia estima que “até 80 % do impacto ambiental dos produtos é determinado na fase da conceção”[1].
[1] Comissão Europeia, Direção-Geral da Energia, Direção-Geral das Empresas e da Indústria, Ecodesign your future: how ecodesign can help the environment by making products smarter, European Commission, 2014, https://data.europa.eu/doi/10.2769/38512
Começando por afirmar o princípio que os produtos e serviços têm que ser criados com o propósito de serem desejados pelos clientes, no eco design este objetivo é estruturado a partir de um sistema circular que visa minimizar o impacto ambiental e gerar o máximo de valor ao longo de todo o ciclo de vida.
Conceção ecológica – a integração de considerações de sustentabilidade ambiental nas características de um produto e nos processos que decorrem ao longo de toda a cadeia de valor do produto.
O Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (COM (2022) 142 final) estabelece os Requisitos de Conceção Ecológica dos Produtos Sustentáveis (Artigo 5.º)[1], especificando que os requisitos de conceção ecológica incluem requisitos de desempenho e requisitos de informação (…), devendo contribuir para melhorar os seguintes aspetos dos produtos:
[1] “O artigo 5.º estabelece o quadro geral para adotar os requisitos de conceção ecológica. Estabelece os aspetos dos produtos que podem ser melhorados por esses requisitos. Explica que esses requisitos podem aplicar-se a um grupo específico de produtos ou horizontalmente a mais grupos de produtos, sempre que as semelhanças técnicas permitam o estabelecimento de requisitos comuns. Especifica que os requisitos de conceção ecológica incluem requisitos de desempenho e requisitos de informação. Por último, estabelece uma série de condições que devem ser cumpridas pela Comissão aquando da elaboração dos requisitos de conceção ecológica, bem como um conjunto de critérios que esses requisitos teriam de cumprir” ( p.12, Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (COM (2022) 142 final).
[2] “A preparação ou alteração de um objeto que constitui um resíduo ou de um produto para restabelecer o seu desempenho ou funcionalidade no âmbito da utilização prevista, da gama de desempenho e da manutenção originalmente concebidas na fase de concepção, ou para cumprir as normas técnicas ou os requisitos regulamentares aplicáveis, de forma a resultar na criação de um produto plenamente funcional”.
De acordo com a “Cradle-to-cradle”[1] as empresas podem aproveitar oportunidades de inovação na economia circular apostando nas seguintes estratégias de eco design na fase inicial de conceção, podendo um produto ser:
Reciclagem Ativa[3] – os materiais do produto são ativamente recuperados e processados para seu próximo uso por meio dos ciclos pretendidos e/ou o fabricante do produto está comprovadamente comprometido com um programa que levará a taxas mais altas de reciclagem de produtos e materiais e/ou uma maior qualidade de materiais disponíveis para reciclagem.
[1] Cradle to Cradle ® Certified, User Guidance V4.0, p.86 a 90
[2] Cradle to Cradle ® Certified, User Guidance V4.0, p.91
[3] Cradle to Cradle ® Certified, User Guidance V4.0, p.94
É verdade!… são 9 e evidenciam a importância desta nova forma de conceber produtos e serviços a pensar nas necessidades dos clientes, de gerar valor para as empresas a partir de ciclos regenerativos que asseguram simultaneamente sustentabilidade económica, bem-estar social e equilíbrio ambiental. Pela forma como asseguram a passagem de modelos baseados na economia linear para modelos baseados na economia circular são conhecidos por estratégias R.
Quadro 1 – Estratégias R para a Economia Circular
Estratégia[1] | Descrição |
R1 Recusar | Tornar os materiais e/ou o produto redundante abandonando sua função ou oferecendo a mesma funcionalidade através de um meio radicalmente diferente. |
R2 Repensar e Redesenhar | Projeto ou redesenho de um produto ou componente com sustentabilidade e circularidade como ponto de partida pontos. Tornar o uso do produto mais intensivo (por exemplo, por meio de produto como serviço, reutilização e compartilhando modelos ou colocando produtos multifuncionais no mercado). |
R3 Reduzir | Reduzir o uso de recursos naturais e materiais virgens ou processados, assim como aumentar a eficiência na fabricação, inclui a prevenção do desperdício alimentar ao longo das cadeias de valor alimentar (produção agrícola, processamento, fabricação, distribuição e consumo) |
R4 Reutilizar | Reutilização de um produto que ainda está em boas condições e cumpre a sua função original para o mesmo propósito para o qual foi concebido. O mesmo racional aplica-se a componentes e materiais anteriormente utilizados |
R5 Reparar | Reparação e manutenção do produto defeituoso para que possa ser utilizado com a sua função original (podendo ser combinado com o r2- redesenho e com a digitalização |
R6 Reformar / remodelar | Restaurar um produto antigo e atualizá-lo (para o nível de qualidade especificado) |
R7 Remanufatura | Usar partes de um produto descartado em um novo produto com a mesma função (e como nova condição). “Processo industrial em que um produto é produzido a partir de objetos que são resíduos, produtos ou componentes e em que é introduzida pelo menos uma alteração no produto que afeta a segurança, o desempenho, a finalidade ou o tipo do produto tipicamente colocado no mercado com uma garantia comercial[2]” |
R8 Reaproveitar | Usar um produto redundante ou suas partes num novo produto com função diferente |
R9 Reciclar | Recuperar materiais de resíduos para serem reprocessados em novos produtos, materiais ou substâncias, seja para os fins originais ou outros. inclui o reprocessamento de matéria orgânica, mas não inclui recuperação de energia e reprocessamento em materiais que serão usados como combustíveis ou para operações de enchimento |
Fonte: Adaptado a partir de “The EIB Circular Economy Guide – Supporting the circular transition (2020), Anexo II, p.15
[Material de apoio:
Para ajudar a implementar estratégias de eco design na sua empresa pode aceder a este link: https://sustainabilityguide.eu/methods/tools-archive/]
[1] Jan Jonker, Niels Faber and Timber Haaker, no white paper do Ministério da Economia e Assuntos Climáticos Holandês “ Quick Scan CircularBusiness Models” (2022), p. 13, consideram ainda um outro R – Recuperação em que incluem a reconversão de energia a partir de materiais usados (“Thermal upcycling”)
[2] De acordo com Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (COM 30.3.2022), p. 48.
Os serviços são determinantes para a estruturação e implementação de modelos de negócio na economia circular.
Em primeiro lugar, pela importância da digitalização dos processos e pelas tecnologias de informação que as suportam e que permitem a adoção de novas propostas de valor associadas aos modelos de negócio inovadores (ver, por exemplo, abaixo “modelos baseados em plataformas de partilha”). A importância da transição digital para a competitividade da economia e, particularmente, para a adoção de um modelo económico baseado na sustentabilidade é de tal forma considerável que a Comissão Europeia passou a considerá-la gémea da transição climática devido às sinergias que podem gerar.
Em segundo lugar, pelo facto de a criação de uma experiência positiva para os clientes ser determinada pela qualidade dos serviços prestados.
Para além disso, há serviços que utilizam produtos, como por exemplo os negócios de aluguer ou de leasing de veículos, máquinas e equipamentos, tendo também necessidade de gerir ciclos de vida do negócio e ciclos de vida dos produtos, estando em muitos casos a sua rendibilidade dependente do que acontece após a sua primeira utilização.
A manutenção, reparação, reutilização, “upgrading” modular, reaproveitamento, etc. presentes nas estratégias R (Quadro 1 – Estratégias R para a Economia Circular) traduzem-se, efetivamente, numa prestação de serviços na qual assenta a proposta de valor das empresas.
Neste âmbito é ainda necessário destacar o papel essencial dos serviços de marketing e comunicação para sensibilizar, informar, conquistar e fidelizar novos públicos para as propostas de valor inovadoras que se estão a gerar.
Estes modelos baseiam-se na necessidade/oportunidade de recuperar componentes e matérias-primas recicladas, antes de serem descartadas e abandonados como resíduo em aterros, usando-as em novas formas de criação de valor.
As matérias-primas daqui resultantes podem voltar a ser processadas (podendo perder valor – “downcycling” – ou ganhar valor – “upcycling”). Se tal não for possível podem, no limite, ser transformadas em energia, reduzindo o impacto ambiental.
Associado a este modelo de negócio é relevante que os produtos possam ser, desde o início, projetados para desmontagem e/ou reciclagem ativa, considerando aspetos como a logística ou a gestão de rede de parceiros associados ao processo de reciclagem, incluindo infraestruturas e transportes.
Os modelos de plataforma (partilha) têm como finalidade essencial aumentar o uso da capacidade funcional dos ativos que já estão em circulação. Ao investir no comércio digital por meio de um site (plataforma), a intensidade de uso pode ser aumentada. Os modelos de plataforma visam prolongar a vida útil aumentando a eficiência do uso do produto, seus componentes e as matérias-primas que eles contêm. Os modelos de plataforma concentram-se no fornecimento do acesso aos produtos quer por parte das empresas quer por parte dos consumidores.
Nestes modelos de negócio a digitalização dos serviços e a gestão dos dados através das TIC tem um papel decisivo no apoio à gestão da rede e na eficiência da gestão de ativos partilhados e no seu acesso por parte dos utilizadores.
Product-as-a-service (PaaS) é um modelo de negócios de economia circular pelo qual uma empresa vende os serviços e os benefícios associados ao produto ao invés do produto em si, mudando a abordagem de modelos baseados na posse dos produtos por parte dos clientes para modelos baseados na utilização.
Geralmente, o fabricante ou fornecedor de serviços continua a possuir e manter o produto, e o cliente aluga-o para uso ou assina um menu de opções serviços relacionados, oferecendo uma nova proposta de valor que inclui o alargamento da oferta inicial. Em vez do produto, é a qualidade de serviço que conta.
O modelo PaaS pode assumir a forma de leasing (associado a longos períodos de utilização), partilha (curtos períodos de utilização), subscrição, assinatura, etc, numa perspetiva de pagamento em função da utilização. O número de utilizadores numa plataforma de partilha também é muito maior.
Os modelos de subscrição são semelhantes ao leasing, mas permitem mais flexibilidade, dando aos utilizadoresacesso a uma gama de modelos de produtos alternativos que podem ser usados alternadamente, geralmente por uma taxa fixa.
PaaS pode geralmente resultar em melhorias de eficiência de recursos, evitando a necessidade de cada potencialutilizador comprar e possuir um produto, que seria usado de forma ineficiente.
Num modelo PaaS a circularidade do modelo obtém-se através de recursos adicionais e ganhos de eficiência obtidos prolongando a vida útil dos produtos e garantindo recuperação de materiais após o fim da vida útil.
Alguns exemplos da aplicação deste modelo podem ser dados através da locação de produtos com design circular (por exemplo, maior durabilidade, modularidade, fácil desmontagem e reparação), a utilização de sistemas de manutenção preditiva destinados a estender a vida útil do produto ou dos ativos (por exemplo, envolvendo dados inteligentes sistemas de gestão e TIC), ou a aplicação de disposições contratuais para devolução de produtos/ativos no final do primeiro ciclo de vida do arrendamento com reforma/reparação para permitir a relocação com novo ciclo de vida em condição de qualidade “como novo”.
Este tipo de modelos de negócio, uma vez estabelecidos, tendem a gerar relações duradouras e fidelizadas com os clientes, sendo, por isso, difíceis de replicar pela concorrência.
Nos modelos de ciclo de vida os produtores mantêm a propriedade dos produtos que fabricam ao longo do ciclo de vida (o princípio da Propriedade do Produtor). Esses modelos de negócios apostam na credibilidade total.
Os produtores obtêm o máximo controle sobre as matérias-primas que utilizam em seus produtos, incluindo os reciclados deles recuperados, podendo assim fechar todo o ciclo.
A ambição de poder fechar totalmente os ciclos está na capacidade de escolha de matérias-primas, design de produtos, embalagens, organização de serviços e processos de suporte, como sistemas de recolha de produtos e os processos de digitalização associados.
Nestes modelos de negócio o objetivo é manter as qualidades e funcionalidades originais dos produtos, componentes e matérias-primas processadas pelo maior tempo possível, focando-se nas seguintes estratégias R[1]: reparação e manutenção (R5), reforma e substituição de produtos e/ou de componentes (R6), na remanufatura (R7) e noreaproveitamento e (R8), reutilização (R4).
[1] Ver Caixa de Texto 3 – Categorias de projetos da economia circular apoiáveis pelo BEI com as Estratégias R.
Incidem sobre os produtos, subprodutos, componentes ou materiais após o seu uso inicial.
Estes modelos tenderão a ser usados de modo bastante mais abrangente considerando a necessidade de dar cumprimento às obrigações que os produtores assumem em resultado das novas regulamentações europeias, como a “Responsabilidade Alargada do Produtor”. Com a nova regulamentação Comunitária produtores e importadores mantêm a sua responsabilidade pelos produtos que fabricam mesmo após a fase de uso ou descarte. Os modelos de gestão devem incluir processos de registo e rastreamento de produtos e matérias-primas (passiva e interativamente através do “passaporte digital dos produtos”[1]) de forma detalhada e cada vez mais digital e transparente as informações entre empresas e para os consumidores.
A consciência dos desafios associados a este modelo pode contribuir para repensar, desde a fase de projeto, o produto em todo o seu ciclo, levando a empresa a adotar outro modelo de negócio, ou repensando por exemplo as embalagens, evitando, logo à partida, que os resíduos sejam criados.
[1] O passaporte digital dos produtos destina-se a “registar, processar e partilhar por via eletrónica informações relacionadas com os produtos entre as empresas da cadeia de abastecimento, as autoridades e os consumidores” (COM (2022) 142 final, p.10).